Faz sol em Londres (GMT+1) neste 20 de junho, o Solstício de Verão do Hemisfério Norte—o dia mais longo do ano. O sol, convidado raro, nasceu às 4h43, e estará entre nós até às 21h21: um comprimento de quinta-feira sempre um pouco chocante para os brasileiros radicados aqui, que não sabem se é hora de tomar outro café ou uma taça de vinho—um resumo pertinente da vida adulta, aliás.
Paris
Por falar em loop de café e vinho, estive em Paris (GMT+2) há duas semanas, e o ponto alto do turismo—pra além da minha prima Nara, de um ano e pouco, aloprando pela cidade—foi a visita ao Panteão. Trata-se do monumento que homenageia (e abriga os corpos defuntos de) grandes figuras da história francesa, como Voltaire, Rousseau e Marie Curie. O termo panteão, segundo a internet, vem da cultura grega, e diz respeito a uma homenagem aos deuses, em geral em forma de vultosos templos—uma versão menos estelionatária e mais edificante culturalmente do que são os prédios do Edir Macedo, basicamente.
No caso parisiense, o Panteão é basicamente um grande monumento lúgubre—ou mausoléu—que nos lembra da notável relevância de personagens da cidade na história da humanidade. É também um lembrete de que, com o perdão da morbidez, turismo funerário costuma ser um negócio muito estimulante: um misto de história com elegância estética, e a vantagem inestimável de se ter menos gente tirando selfie inconvenientemente ao seu redor. Recomendo o Panteão.

O conceito do panteão me fez pensar no Brasil. Se tivéssemos um monumento parecido, digamos, em São Paulo, quem estaria enterrado por lá? Quais são nossas grandes referências históricas? No meu último post, sobre o famigerado equino Caramelo—o cavalo ilhado do Rio Grande do Sul—dissertei sobre o fato de nossos heróis, em geral, serem vítimas/sobreviventes; um sinal não muito animador sobre a natureza sofrida da nossa história, que tem na resiliência—mais que na ousadia espontânea— a sua maior virtude, para o bem e para o mal.
Honestamente, do ponto de vista histórico, eu não sei—e acolho a opinião de vocês, sempre muito bem vinda, nos comentários. Entre os brasileiros vivos, acho a discussão mais agradável, mas nem por isso menos espinhosa. Uma vez, debati com amigos num bar em Pinheiros, como se faz entre um Negroni e outro, quem seriam os/as principais candidatos/as ao posto.
Defendi entusiasmado meu candidato Dráuzio Varella (com Marina Silva, Padre Júlio, Chico Buarque e Maurício de Sousa correndo por fora na minha lista), enquanto duas amigas sustentavam o controverso caso da Ana Maria Braga. Para desempatar, pedimos a opinião do garçom. O sujeito tomou um ar, equilibrou a bandeja, e, orgulhoso, disse que o maior brasileiro vivo para ele seria.. o Astronauta Marcos Pontes—esse grande intelectual (sic) do macrocosmo. Encerramos, naturalmente, a discussão: foi para o espaço o bom senso, afinal.
Aborto
O Panteão de Paris também abriga um dos documentos mais importantes da história da humanidade, que é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Como a sétima série nos ensinou, ela foi escrita como resultado do Iluminismo, aquele movimento baseado em coisas como a racionalidade, a liberdade, a tolerância e a separação da Igreja e do Estado—basicamente o oposto do que defende uma parte (infelizmente considerável) do WhatsApp e, por conseguinte, do Congresso brasileiro, como fomos lembrados nos últimos dias.
O tema dos direitos humanos—eventualmente retomado e consolidado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da ONU—é um daqueles que carecem de eterna vigilância, como a própria democracia: um avanço social eternamente sob risco, porque contraria interesses e privilégios individuais de natureza estrutural. O PL dos Estupradores patrocinado pelo Bolsonarismo (com a anuência constrangida de parte do governo federal) é uma ilustração disso. No Brasil, afinal, estamos sempre a um pulo dos séculos passados.

Eleições britânicas
Por falar em política disfuncional, é tempo de eleição na bretanha. Em 4 de julho, uma outra quinta-feira, os locais vão às urnas antes de, provavelmente, irem ao pub—como o fazem todas as quintas-feiras, no caso do pub, e a cada punhado de anos, no caso das eleições (porque o calendário eleitoral daqui é muito imprevisível, afinal de contas). Tudo indica que o Partido Conservador, do Primeiro-Ministro Rishi Sunak, sofrerá uma derrota memorável—semelhante àquela que sofreu em 1997, quando a dupla Tony Blair e Gordon Brown assumiu o poder representando o Partido Trabalhista para um período de treze anos.
Sunak—que é uma mistura do João Dória (o do Antigo Testamento) com o Michael Scott, do The Office—tem feito um governo muito ruim. Trata-se de um sujeito menos desprezível que seus antecessores Liz Truss e, claro, Boris Jonhson, mas com muito menos envergadura moral e habilidade política, respectivamente, que Theresa May e David Cameron, os outros dois líderes conservadores da última década. O clima no Reino Unido é de preguiça e desânimo—inclusive porque o provável próximo primeiro-ministro, o trabalhista Keir Starmer, à exemplo do outro estadista local, o Charles, tem o carisma de uma impressora.
Para os improváveis interessados no assunto, a minha recomendação é o podcast The Rest Is Politics, que é apresentado por dois personagens muito interessantes daqui: o Rory Steward, que é um ex-ministro do Partido Conservador, e o Alastair Campbell, que fez parte do governo dos trabalhistas. O formato, baseado no diálogo entre opositores civilizados, é um lembrete de que a conversa é sempre mais estimulante quando voltada para o debate intelectual, e não para a pregação entre convertidos, como normalmente é o caso da internet.
A propósito, é aniversário de Francisco Buarque de Hollanda, o campeão das temporadas 2022 e 2023 do meu Spotify. Como homenagem despretensiosa, deixo aqui um trecho de Construção, por nenhum motivo específico para além de se tratar da letra mais brilhante da música brasileira na minha não-solicitada opinião.
Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público
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Adorei o texto, principalmente porque ele já se tornou pauta de conversas 😅
Chegamos a nomes como Tom Jobim e Paulo Freire.
Eu votaria no Amyr Klink e no Sebastião Salgado!
Quanta elegância num texto só! Apoio a lista apresentada acrescentando a minha musa Rita Lee.