Faz quatro graus em Londres na escala do astrônomo sueco Andrés Celsius. Pelos parâmetros dele, isso significa que a água está próxima de congelar em temperatura ambiente—assim como nossas extremidades, pois afinal também cheias do onipresente líquido. Em fevereiro, isso significa que por aqui ninguém aguenta mais o inverno: faz oitenta e quatro anos, como diria a senhora do Titanic, que não se sente o sol.
Minha contagem média de passos diários caiu lamentavelmente desde novembro: de doze para nove mil. São, portanto, três mil passos de déficit, na Escala Gabriel Brasil do Ressentimento Climático. Esses três mil passos equivalem mais ou menos a cem calorias queimadas—que por sua vez equivalem a vinte por cento de um Kit Kat. Há pouca coisa mais deprimente do que a metrificação da própria miséria, concluímos.
É nessa nota, um pouco ranzinza, mas sempre esperançosa, que essa edição da newsletter atinge o inbox de vocês. Faz tempo, eu sei, mas como diria a Fernanda Torres: eu ainda estou aqui.
Zeitgeist
Um conceito de que gosto muito é Zeitgeist: o espírito do tempo; o clima moral, intelectual e cultural de uma era. Aparentemente não foi Friedrich Hegel quem cunhou o termo, como eu pretensiosamente achava que sabia, mas parece que foi ele quem deu tração à ideia por trás dele—a quem somos gratos portanto nessa manhã, porque esse texto é ancorado nela.
O motivo é porque, de uns anos pra cá, o zeitgeist mudou de forma muito vertiginosa. E nós, observadores atentos do tempo, precisamos—entre uma sessão e outra de apodrecimento cerebral na internet—discutir tal fenômeno, que é tão interessante quanto perturbador.
Acho que não preciso descreve-lo. Todo mundo está vendo, afinal, a guinada político-social que o planeta está vivendo. Ela se dá, claro, na esteira do declínio acentuado da potência dominante da nossa era, sob Donald John Trump: o herdeiro que faliu seis empresas, o moralista que foi condenado por trinta e quatro crimes, o conservador que traiu suas duas esposas com múltiplas prostitutas.
É tentador falar de Trump. No entanto, o símbolo do zeitgeist agora, na verdade, é a dupla Elon Musk/Mark Zuckerberg—os dois homens cujos patrimônios combinados equivalem a seiscentas e onze mil vezes o prêmio da Mega Sena da Virada do ano passado. Sim, seiscentas e onze mil vezes os seiscentos e trinta e cinco milhões de reais da loteria. Dá pra comprar pelo menos uns cinquenta potes de azeite, nos preços de hoje.
Musk e Zuckerberg são figuras centrais da guinada política-cultural do planeta porque, além de serem ricos demais, eles agora têm poderes demais (o que ilustra bem o problema óbvio da existência de pessoas ricas demais—num aceno raro da minha parte ao marxismo, que orgulharia a minha avó).
No caso de Musk, o problema se dá em razão de tudo que envolve seu bizarro e provavelmente inconstitucional cargo (?) no governo americano (o de presidente em exercício). No caso de Zuckerberg, ele vem, claro, do controle de três empresas que, juntas, dominam a comunicação e o acesso à informação de mais de três bilhões e trezentos milhões de pessoas.
Como diria um brasileiro depois de contar uma sequência de fatos horríveis: “até aí, tudo bem”. O problema principal de Musk e Zuckerberg, entre tantos, é que se tratam de homens fundamentalmente fracassados. Sim, são bilionários bem sucedidos, do ponto de vista empresarial. Mas são vazios nas suas ideias próprias—e portanto alvos fáceis das tendências dominantes do momento, dadas suas necessidades gritantes de validação por um grupo (no caso, outros homens adultos—vá entender). Sobre isso, o melhor artigo que li a respeito foi esse aqui, publicado no Guardian há umas semanas.
Zuckerberg esses dias disse, na sua ânsia constrangedora de agradar ao pessoal do MAGA, que falta um pouco mais de “cultura masculina” nas empresas dos Estados Unidos. Parece que ele—que hoje em dia pratica Brazilian Jiu Jitsu, esse esporte viril que consiste em trocar abraços fortes com seu oponente—ignorou que os CEOs de 91% das 500 maiores empresas do país são homens. Ou que 37% das mulheres naquele país já sofreram algum tipo de assédio no ambiente de trabalho.
Musk, por sua vez, parece que comprou uma rede social para não fazer terapia. Aliás, ele tem o hábito de repetir com frequência no Twitter—a referida, e agora finada, rede social—que quer que escrevam que ele “nunca fez terapia” no seu túmulo. Parece um personagem em si mesmo.
Outro conceito do qual eu gosto é o de slippery slope—ou “ladeira escorregadia”, em bom português. Usa-se para se referir a uma tendência perigosa: por exemplo quando se começa a comprar aqueles potes apetitosos do sorvete Häagen-Dazs, sempre irresistíveis demais e saudáveis de menos, sobretudo quando caminha-se três mil passos a menos do que deveríamos.
O slippery slope do momento é tudo que a gente está vivendo. A inação frente à tragédia do clima. A inércia frente à derrocada das democracias. A impotência frente à degradação dos direitos individuais, em especial das minorias. A passividade frente ao domínio das instituições por parte de gente fracassada. Afinal, uma coisa é a gente dar menos passos por um certo período. Outra coisa, muito pior, é a gente sair escorregando rumo ao precipício.
Tendências
Num assunto menos apocalíptico, queria falar de tendências. Tenho amolado amigos nas últimas semanas para tentar prever o que marcará nossas vidas nos próximos meses (para além da reemergência do fascismo, é claro). Estou fazendo uma lista. O que vocês adicionariam? O que vai substituir o pistache e os podcasts?
Oxtail (ou a famosa rabada), que tá bastante na moda nos bares hipsters aqui em Londres e em NY. Consigo ver fazendo sucesso em Pinheiros—e depois no resto do Brasil—se é que já não é o caso.
Yoga, que rompeu as barreiras do namastê-ísmo e virou um esporte descolado entre outros grupos.
Disrupção nas redes sociais, porque sinto que está todo mundo ficando saturado de ceder seus neurônios em troca de hits curtos de dopamina. Aguardo ansioso por uma nova plataforma que rompa esse paradigma e, de quebra, reduza a relevância da dupla de bilionários supracitada.
Padel e pickleball, que andam bastante na moda por aqui. Tenho certeza que o pessoal do Itaim, em São Paulo, e da Vila da Serra, em Belo Horizonte, vai adorar. O beach tennis que se cuide.
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A última onda aparente desse (escaldante) pré-carnaval carioca é o retorno triunfal do papel moeda. Preciso entender se a moda pega mesmo, ou se jajá esquecem os medos da taxação do pix ou do furto de celular.
Então... já vi muito lugar pretensiosamente despretensioso servir rabada (tipo pastel de rabada).