“Como está a vida por aí? Você está gostando?”, às vezes alguém pergunta. Tomando uma licença poético-geográfica para parafrasear Vinicius de Moraes e responder, posso dizer que adoro Londres, a cidade é ótima—o problema é que a gente anda, anda, mas nunca chega em Ipanema.
Chegou o verão—a Estação da Luz do Alceu Valença—e esse é um pedaço do sentimento por aqui, complementar àquele da gratidão pelo fim do clima miserável dos últimos meses. Parece que falta alguma coisa (a praia e o carnaval), então o residente londrino tenta compensar isso com a ida ostensiva aos parques, o que funciona razoavelmente bem, porque há muitos e eles são em geral muito agradáveis.
Segundo o aplicativo do clima do iPhone (certamente um dos mais usados cotidianamente pelos britânicos), o sol nasce às 4h43 e se põe às 21h19: são, portanto, dias compridos e muito claros, para desespero da parte do nosso corpo que produz melatonina, que fica desorientada.
Para um brasileiro recém chegado, é notável a diferença cotidiana das estações, pouco acentuada no Brasil (ao menos no sudeste, de onde eu venho). A reclusão melancólica do inverno desapareceu por completo, e todo mundo parece estar agora marinado no combo solar-hormonal que só o verão é capaz de produzir. Nos parques cheios, veste-se pouca (ou às vezes nenhuma) roupa sem muito pudor, o que, suspeito, seria muito curioso para o paulista, em particular—especialmente no espaço dos seus elevados debates culturais e antropológicos, aquele formado por doze pessoas no Twitter.
Já o alcoolismo estrutural dos bretões virou um negócio outdoor, o que parece uma evolução saudável desse hábito social inegociável por aqui—o de beber qualquer quantidade que seja exagerada, em qualquer dia, mesmo que a temperatura do objeto da bebedeira não atenda os padrões dos brasileiros que cresceram assistindo comerciais de cerveja “estupidamente” (?) gelada. Na medida que um apanhado urbano de concreto e gente pode ter sentimentos, Londres parece feliz.
ChatGPT
Para além dos parques, o melhor passeio de Londres, para mim, segue sendo as feiras. Há muitas—normalmente aos finais de semana. Recentemente fui ao Broadway Market, que fica no hipsteríssimo bairro de Hackney, e conheci o personagem abaixo. Trata-se de um escritor que, sentado com sua máquina de escrever, faz contos na hora para qualquer um, normalmente turistas ou quasi-turistas como eu. Você escolhe três palavras e o nome para um(a) personagem e em cinco minutos o sujeito produz uma história para você. É o verdadeiro ChatGPT humano.
Essa aqui, na foto abaixo, foi a minha história (acima, no papel, as palavras que eu escolhi). Não é nada monumentalmente brilhante, como a gente pode ver, mas é um conceito interessante, compatível com o espírito do nosso tempo da fluidez ágil dos conteúdos e da suposta customização—tudo isso embalado em estética que funciona muito bem no Instagram.
Achei curioso que o nosso Charles Dickens contemporâneo não assina as histórias, ostentando um nível de desprendimento que faz até parecer que—surpresa—ele está ali para escrever por dinheiro mesmo. É a mercantilização da arte na sua forma pura—uma honestidade que tem sua própria beleza também, na minha cínica opinião. Paga-se o quanto o cliente quiser (“pay what you feel”), esse conceito que te faz ficar ansioso e inseguro sobre a sua decisão—quanto vale afinal, certo, pedaço de arte? Ou, pior, quanto vale certo pedaço de arte feito por alguém que está na sua frente e que, portanto, você não quer ofender? Paguei cinco libras—uma quantia um pouco no lower-end side do que outros turistas pagaram depois de mim, confesso.
Brazil Forum
O verão também é a estação mais propícia para a realização de eventos de toda sorte, por motivos óbvios. Entre ontem e hoje, estudantes da Universidade de Oxford organizaram a oitava edição do Brazil Forum—um espaço para debate acerca de temas caros ao nosso país, com a presença de representantes institucionais e da sociedade civil brasileira. Fui apenas ao primeiro dia, que contou com painéis dedicados à discussão da fome, do meio ambiente, da seletividade penal e dos desafios da era digital.
Foi o melhor evento que assisti em muito tempo—um mérito, principalmente, da seleção dos convidados e das convidadas, que foi muito rica e plural. No total, havia umas duas dúzias de gente muito qualificada. Fiquei particularmente inspirado pelas participações de Lilian Rahal, que é Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal; do Preto Zezé, que é um empreendedor social líder da CUFAS; da Maiara Folly, que lidera a ONG ambiental Instituto Cipó; e da Adriana Cruz, que é juíza federal. Para quem tiver interesse, encorajo com entusiasmo que pesquisem sobre o que fazem e as ideias que defendem.
O Brasil carece, nas palavras do Preto Zezé, de “melhorar o repertório” das ideias e das narrativas que constituem o nosso debate público (político e social). Na minha convicta opinião, os temas dos direitos humanos e das mudanças climáticas, por exemplo, precisam ser tratados como o que são: crises agudas que requerem mobilização imediata e proporcional, e não agendas paralelas de nicho.
É verdade que há fontes múltiplas para o desânimo: seja pela fadiga política de uma população emocionalmente cansada—especialmente após anos pandêmicos de tensão pela própria sobrevivência— ou pela dificuldade de se enxergar maturidade nos nossos debates, quase sempre presos a dicotomias falaciosas (como aquela entre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade). No entanto, feliz ou infelizmente, a desesperança não é um luxo possível para o brasileiro. Escutar as ideias e os resultados do trabalho de gente preparada, como propiciado pelo Brazil Forum, ajuda. A gente não precisa ser otimista, mas tenho convicção de que vale a pena ter uma postura positiva frente às possibilidades. Acho que é esse, afinal, o espírito do verão.
Que bom Gabriel! Seu alto-astral está refletido no texto!