Brexit
Nessa semana, tem faltado broccoli no Reino Unido. É mais um episódio da série “legumes em falta” patrocinada pelo Brexit (com uma ajuda ocasional da crise climática). Um tempo atrás faltou pimentão; depois, tomate. Ovos também já fizeram parte deste cardápio. O Reino Unido é, afinal, um notório mal produtor de alimentos, sendo portanto dependente da importação de inúmeros itens.
Na condição de correspondente internacional não remunerado, de vez em quando alguém me pergunta sobre o Brexit. A minha opinião não importa em nada, mas ela está em linha com aquela da maioria dos britânicos: foi um projeto que deu errado. Não tem uma só dimensão em que houve benefícios superiores aos malefícios: da economia às políticas de imigração, da diversidade cultural à segurança nacional. As vantagens foram, como a gente diria no Brasil, para inglês ver—mas os ingleses ainda estão as procurando.
O Brexit é um lembrete de que referendos políticos para temas importantes em geral são má ideia: resumem questões complexas em opções binárias, que, por sua vez, são defendidas por gente que não vai ser necessariamente quem vai ter que implementá-las (e ser cobrada) depois—o que explica em parte a grande ciranda da política nacional daqui nos últimos sete anos. No limite, referendos tiram o papel principal da política na vida de um país, que é o de conciliar interesses conflitantes numa solução viável. Em tempos de polarização, vale a pena lembrar disso.
Os impactos cotidianos do Brexit também são um lembrete de como dependemos uns dos outros, e de como o isolamento é uma ideia que faz mal à nossa existência. Fica aqui o desabafo do internauta imigrante.
Craftivismo
Por falar em outra coisa, fui à Dinamarca e à Finlândia há algumas semanas e aproveitei para conhecer o Museu do Design, em Copenhagen. Um pedaço da exposição estava dedicado ao Craftivist Collective, uma organização que se propõe a fazer o que chamam de ativismo gentil em prol de causas caras à sociedade, sobretudo a partir do design e do que a gente chamaria no Brasil de artesanato.
O coletivo tem um manifesto, que estava em exibição e que eu registrei na foto abaixo. Achei bem-vindo, sobretudo em tempos de extremismo e escassez de empatia.
Sendo uma região que deu certo em praticamente tudo, os nórdicos são, obviamente, um benchmark difícil—e não exatamente útil—para o Brasil. No entanto, sou um entusiasta de um recurso precioso ao alcance da civilização globalizada, que é o da imitação. Acho que, como um país em emergência (o que quer que isso signifique), temos a vantagem de poder nos inspirar em ideias, projetos e movimentos que deram certo em outros lugares. Os nórdicos têm boas opções—da social democracia à integração da causa climática ao cotidiano. É uma pena que, ao imitarmos o mundo desenvolvido, normalmente escolhemos mal e acabamos copiando coisas do tipo “invasão do Congresso após derrota eleitoral”.
Dito tudo isso, uma semana por lá a trabalho e tudo que eu mais queria quando voltei para Londres era atravessar uma rua fora do sinal verde. Como é irritante o admirável respeito extremo às instituições—sobretudo quando isso inclui esperar desnecessariamente o sinal abrir, sem carros por perto, no frio congelante das 7h da manhã.
Calor
Por falar nisso, não sei se vocês repararam, mas parece que está fazendo calor no Brasil—pelo menos é o que cem por cento das pessoas na internet têm comentado. Sob o risco da auto-promoção exagerada, me lembrei de um texto que escrevi em 2021 sobre um tema que tem se tornado importante ao redor do mundo, que é o da ansiedade ambiental. Acho que segue válido, então fica aqui o link para quem, não satisfeito com a leitura deste post, quiser continuar me dando ainda mais audiência. É importante, afinal, manter vivo o espírito da internet, que é o de bater palma para maluco dançar, que é o da troca livre de ideias entre comuns.
Falando um pouco mais sério, trabalhando com o tema do clima e da transição energética por aqui, vejo com angústia como o debate climático do Brasil está muito atrasado. Isso para mim é resultado de três problemas combinados:
(1) o entendimento equivocado de que, porque a nossa matriz de eletricidade é limpa (de fato o é, em mais de 80%—ao menos em emissões de Co2), nos não precisamos nos preocupar com a transição energética. Quem se apega a isso se esquece que o resto da nossa matriz de energia - para indústria e transportes - segue horrorosamente dependente de combustíveis fósseis. Não é à toa que a classe média adora celebrar cada queda de centavos da bomba de gasolina.
(2) o dilema falacioso entre sustentabilidade e crescimento econômico. Muita gente, inclusive mas não apenas o governo, adora usar a carta da pobreza para dizer que não podemos nos dar o luxo (sic) de nos preocuparmos com as mudanças climáticas, porque há gente passando fome. Ocorre que, como a ciência prova a cada dia, a agenda climática pode, na verdade, ser um motor poderoso de crescimento econômico - caso tratada com pragmatismo e inteligência, o que não é o nosso caso.
(3) o combo, que não é exclusividade do Brasil, de negacionismo com fatalismo. Por um lado, tem gente que simplesmente ignora as evidências brutais e inequívocas do problema das mudanças climáticas—como ignoraram aquelas associadas à pandemia. Por outro, tem gente que acha que não há nada a ser feito no nível individual, que tudo já está perdido, e este é um problema para o governo e as grandes empresas resolverem (“não vou reduzir meu plástico porque o agronegócio é que desmata a Amazônia”) - ignorando que quem elege o governo e quem consome os produtos das grandes empresas (inclusive do agronegócio) somos.. nós mesmos.
O governo federal anunciou o seu badalado Plano de Transição Ecológica em agosto com um bonito powerpoint. No entanto, até hoje não anunciou seus detalhes nem o plano para a sua implementação. Por outro lado, seguem acelerados os esforços da Petrobras para furar mais um poço de petróleo na Amazônia a despeito dos alertas do Ibama. Afinal, perfurar é preciso, preservar não é preciso. Fica aqui outro desabafo do internauta.
A propósito, vi essa imagem aqui na Rede Mundial dos Computadores, e me lembrei de uma iniciativa interessante que aconteceu no Kenya na semana passada: o governo declarou um feriado nacional surpresa para o plantio de árvores, pedindo para cada cidadão aproveitar o 13 de novembro para plantar duas mudas (fornecidas pelo próprio governo). É parte de uma meta do país de plantar 15 bilhões (!) de árvores até 2032.
No espírito da imitação, parece uma ideia que o Brasil poderia replicar, com baixo custo e benefícios muito óbvios.
Para encerrar este post no espírito botânico, compartilho uma foto de final de outono da cidade, que agora é amarela.
Fuso Horário Zero
Muito obrigado pela leitura! Este é um projeto despretensioso sobre o qual você pode saber mais aqui. Ele faz tanto mais sentido para mim quanto mais ele se parecer com uma conversa, o que tem sido muito gratificante. Sinta-se convidado/a para assinar o recebimento da newsletter gratuitamente a partir do botão abaixo e para compartilhá-la com quem você achar que poderia gostar, pelo próprio e-mail ou pelo link do navegador. Quais temas vocês têm discutido na vida de vocês? O que tem te preocupado e inspirado por aí? Vou gostar de saber :)
Achei ótimo o trecho sobre Brexit. "As vantagens foram, como a gente diria no Brasil, para inglês ver—mas os ingleses ainda estão as procurando". Muito bom!! Haha
Eu ri demais com a necessidade de atravessar o sinal de pedestre no vermelho hahaa espero que não tenham te multado por lá!