É verdade que esta newsletter normalmente segue uma linha editorial mais ou menos clara. Alguns de vocês, é claro, só estão aqui por serem vítimas do acidente de sermos próximos demais, e acabaram assediados, de uma forma ou de outra, a assinar o recebimento das minhas notas. No entanto, a maioria aqui o fez por ter algum interesse na—às vezes forçada, sabemos—conexão que se faz, a partir da minha modesta aventura de imigrante, entre Londres e o Brasil.
Dito isso, há certos temas que, por sua saliência ou gravidade, requerem trato extraordinário. Isso inclui a incorrência na chamada “fuga ao tema”, como chamariam os revisores do Enem. Como avalio ser o caso, portanto, esta edição os poupará da palestrinha habitual sobre a cosmopolitaniedade de Londres e como ela se conecta com o Brasil etc, da qual vocês já talvez estejam legitimamente cansados.
(E para quem já está ansioso com este preâmbulo, esta edição também não trará quaisquer análises político-sociais do advento dos bebês reborn—inclusive porque estou convencido de que bebês reborn na verdade não existem efetivamente; vocês caíram num golpe tão lamentável quanto manjado da internet que é o da histeria social fictícia (uma indústria de bilhões—de otários, todos nós)).
Ao invés disso, tocaremos, com doses iguais de ressentimento e coragem, num assunto de importância contemporânea superior, que é o futuro do brunch.
A verdade é que, dez ou quinze anos atrás, o brunch enquanto tendência foi uma novidade interessante. Por um lado, é uma opção de monetização oportuna para a indústria, que pode dar um fim lucrativo aos embutidos que sobraram no serviço do dia anterior—além de vender uma infinitude de torradas (toast, na grafia brunchenesca) em variações mínimas de sabor e margens máximas de lucro.
Pelo outro, também foi um advento bem recebido por essa geração oportunista que somos todos nós. Foi, afinal, com entusiasmo que abraçamos a possibilidade de encontrar amigos não muito próximos para uma refeição protéica no domingo cedo (embora não tão cedo assim—porque, é claro, o sábado à noite foi gasto com os amigos que, estes sim, são merecedores do nosso prime time). De quebra, ganhamos, enquanto sociedade, o privilégio de termos os feeds das nossas redes sociais inundados de mais—mais—elementos do cotidiano desnecessariamente instagramáveis (como o famigerado ovo pochê com o molho hollandaise, o campeão da estética matinal).

Ocorre que, como deveria ser o ditado, em time que está ganhando às vezes é preciso mexer, sim. Foram dez ou quinze anos consumindo as mesmas coisas, com variações apenas no preço (porque afinal o brunch é uma experiência, e a inflação das experiências desafia até os mais austeros dos bancos centrais). Faltou ao brunch ler melhor o ambiente, e perceber que seus companheiros evoluíram ao longo do tempo—o crossfit por exemplo se transformou nos grupos de corrida, e até o beach tennis está virando pádel.
Como costuma ser o caso das tendências sociais, o fenômeno do brunch produziu vencedores e perdedores—e vale a pena, antes de sugerir o sepultamento da supracitada tradição, avaliá-los. Trata-se, afinal, de metodologia sofisticada no nicho da conversa fiada na internet, em especial as newsletters, sempre carentes de assunto.
No primeiro grupo, dos vencedores, não houve competição à altura para o avocado, que se sagrou o campeão dos flavonóides e também do sobrepreço. Os ovos—pochê, beneditinos, mexidos—ficaram com o segundo lugar, explorando a versatilidade deste feto animal que segue tendo trânsito imbatível entre os carnívoros e também os vegetarianos. Por fim, o salmão foi o vencedor da categoria “velhice escondida pela defumação”, também muito rico em Ômega-3.
O derrotado de maior destaque foi um grande amigo meu, que é o almoço cedo—aquele que ocorre ali por volta do meio dia, meio dia e meia no máximo. O sucesso do brunch—refeição originalmente pensada, até onde eu entendo, para ocorrer ali entre as dez e onze horas—expandiu os seus horizontes para até o meio da tarde. Isto, é claro, prejudicou o já frágil compromisso das pessoas com o horário do almoço, anarquizando o domingo para além do necessário. Quem acorda cedo, como eu, se vê obrigado a tomar um café da manhã reforçado antes de sair para o brunch, e a se expor às incertezas e ansiedades que só a refeição sem horário bem definido traz.
Outros derrotados importantes foram a pizza fria da geladeira, outrora campeã da categoria “café da manhã de domingo”; o meu saudoso pão de queijo, que é um fim em si mesmo e simplesmente não combina com a opulência dos pratos de brunch; e o sempre cortês misto quente, que não atingiu a sofisticação do seu primo francês, o pretensioso Croque Monsieur, para frequentar os cardápios do brunch.
Isto tudo posto, parece que fica muito claro que o brunch não produzirá desdobramentos adicionais de interesse da sociedade, e que é preciso superá-lo. As tendências vêm e vão, afinal, e parece que o brunch até agora só “veio”.
Este apelo, no entanto, não é propositivo. Muitas vezes a sociedade precisa de menos, e não mais sugestões. Não sei o que deve substituir o brunch—e na verdade não sei se é preciso realmente fazê-lo. Mas me sinto pronto.
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A mais ranheta de todas as edições - adorei.
Kkkkk abaixo o brunch